quarta-feira, janeiro 17, 2007

sim ou não... e depois?


Foto: storage.canalblog.com

Portugal aguarda ansiosamente o dia 11 de Fevereiro, para dizer sim ou não, para saber se o aborto – ou interrupção voluntária da gravidez, como é agora mais delicado dizer – é descriminalizado ou não.

A querela perde-se entre os defensores da vida – valor supremo e inviolável – e os partidários do Sim, da liberdade de escolha, do máximo poder que a mulher detém sobre o seu corpo e sobre o feto que dentro dela cresce.

No entanto, esta contenda – e em especial este referendo – começa a transformar-se numa farsa, que já não incide sobre os problemas essenciais da opção de alterar a lei ou de a manter como está. Não se fala no dia seguinte ao referendo, ou seja, em como esta votação vai mudar a maneira de olhar para os nascituros e para as próprias mulheres que, com o apoio ou não dos seus companheiros, optem por abortar.

Discute-se se as mulheres que interrompam a gravidez devam ou não ser consideradas como criminosas, mas não se fala sobre se, na eventualidade de o Sim ganhar, funcionará (se existir) alguma assistência psicológica nas clínicas e hospitais.

Ao invés, perante uma vitória do Não, que alterações haverá ao actual regime? Ficará tudo na mesma, como ficou da última vez que houve um referendo? Haverá mudanças no regime do planeamento familiar?

Ao comentar a mais actual discórdia da sociedade portuguesa, não poderei deixar de assumir a minha posição e admitir que votarei Sim. Mas não participarei em campanhas, nem me intrometerei em discussões extremistas e fundamentalistas que não esclarecem ninguém e somente agudizam a ira entre os dois lados.

Devo até reconhecer que tem havido uma manipulação por parte dos meios de comunicação social e da opinião publicada, no sentido de convencer os portugueses a votar Sim, nomeadamente procurando demonstrar que o Sim é a escolha mais correcta num país civilizado – argumento com o qual não concordo.

Interromper voluntariamente a gravidez é uma opção tanto moral como circunstancial, que respeita a cada um. Não é de todo uma questão de civilização ou de desenvolvimento.

Votarei Sim, mas reconheço que a minha preocupação com o day after me despertará algumas reservas no momento em que assinalarei a cruz, pois a decisão da descriminalização do aborto acarreta a necessidade de uma panóplia de outras medidas que os governantes terão de levar a cabo, nos dias seguintes à alteração da lei.

Preocupo-me, particularmente, com a necessidade de uma estratégia de educação para a prevenção - porque retirar a vida a um ser vivo indefeso não é uma brincadeira -, a criação de um serviço de acompanhamento psicológico para as mulheres que decidam abortar e uma política de promoção da natalidade, com elevados subsídios para quem tenha mais filhos, como se está a verificar noutros países europeus, como é o caso da Alemanha. Até porque quanto menor for a natalidade, menor será a esperança de recuperação nos valor das contribuições dos cidadãos, o que se traduzirá no fim Estado.

Parece-me ser legítima esta minha inquietação relacionada com o período pós-referendo e com uma eventual inércia do Governo, já que um partido que defende inequivocamente o Sim (com cartazes e panfletos), que tem maioria absoluta no parlamento e que não teve coragem de fazer aprovar uma lei sobre o aborto, muito dificilmente adoptará alguma política para prevenir as relações sexuais entre pessoas que não se amem e não queiram ter um filho em comum ou não tenham possibilidades para o fazer, tal como acompanhar o estado psicológico das mulheres que abortem, visto já se ter provado que um aborto acarreta enormes sequelas psicológicas.

São sim inaceitáveis os montantes que se perdem com a campanha para este referendo, num momento em que já sabemos como vai terminar, mesmo que o resultado não seja vinculativo, isto é, se não votarem mais de 50% dos eleitores. Todas as sondagens – ainda que manipuladas ou não – apontam para o Sim e estas semanas têm, de facto, servido unicamente para criar um ensurdecedor alarido, que ainda não elucidou nem elucidará ninguém até ao dia 11 de Fevereiro.

De espantar é ainda a opção da maioria dos partidos com assento parlamentar (à excepção do PSD) de assumir uma posição neste referendo. Ora, a opção que os portugueses vão tomar no segundo Domingo do próximo mês deve assumir um carácter cívico e não político, tal como a decisão de uma mulher abortar – insisto, com o apoio ou não do seu companheiro (porque a decisão de abortar não poderá ser unicamente da mulher) – terá um cariz moral ou social-circunstancial, mas nunca político.

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