sexta-feira, março 30, 2007

o mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

Fernando Pessoa, Mensagem

terça-feira, março 27, 2007

corrupção? onde?

Ao fim de tanta controvérsia, chegou a hora da verdade. Afinal quantos portugueses foram condenados por corrupção, nos últimos tempos?

Os dados estatísticos são chocantes. Em mais de 10 milhões de portugueses, apenas 8 (sim, oito) estão actualmente presos por crimes de corrupção. E o mais curioso é que nenhum deles foi condenado por corrupção em actos políticos, mas por imigração ilegal.

Num país em que existem tantas suspeitas sobre os agentes políticos, esta é mais uma prova de que a justiça portuguesa continua a segurar uma balança desequilibrada e a espreitar sempre por debaixo da venda, quando o tema é corrupção. No entanto, a sua espada é sempre implacável com os mais fracos.

Foi nisto que deu a III República e o Estado Social de Direito de 1976.

quinta-feira, março 15, 2007

verdades com 140 anos



"ORDINARIAMENTE todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz um ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?"

Eça de Queiroz, 1867 in "O distrito de Évora"

sexta-feira, março 02, 2007

blindada !!!



A proposta da Sonaecom para a desblindagem dos estatutos da Portugal Telecom foi chumbada. Para Henrique Granadeiro, "a OPA morreu".

Das duas mediáticas OPAs anunciadas em 2006 (Sonae-PT e BCP-BPI), esta é a primeira a ficar comprometida. Para a História fica o silêncio do Estado, que acabou por ser o responsável pela inviabilização da OPA e demonstrou que o 'monstro' continua a ter demasiado peso nos negócios, não deixando que o mercado funcione em liberdade.

Vai assim continuar a PT (i.e. o Estado) a nivelar os preços de mercado, ou seja, a manter os serviços de comunicação mais caros da Europa, como se de impostos indirectos se tratassem.

É esta mais uma prova da falta de competitividade da economia portuguesa, à espera que um dia chegue o investimento espanhol. Que novidade...

quinta-feira, março 01, 2007

direita, volver!



Enfim, Paulo Portas regressa em pleno. E proferiu as palavras que todo o país queria ouvir: "serei candidato à presidência do CDS." Resta saber quando e como.
O país espera uma direita renovada e Portas assume essa responsabilidade, tentando até antecipar-se ao PSD, que tem vindo a encolher cada vez mais no espectro político nacional. Aliás, as últimas sondagens têm demonstrado que, em eleições, Marques Mendes atingiria o pior resultado de sempre da social-democracia em Portugal, com 27% dos votos.
Paulo Portas falou sob a tónica da determinação, que - admite - vai caracterizar a sua maneira de fazer oposição. E, na verdade, determinação é o que há algum tempo desapareceu dos partidos à direita do PS, havendo até mesmo dúvidas sobre se, no próprio PS de Sócrates, ela exista ou se não passa de mero marketing governamental.
Espera-se agora a resposta dos líderes Ribeiro e Castro e Marques Mendes, que, ao que tudo indica, decidiram ignorar este "grito do Ipiranga" em versão tory e preparam-se para deixar, à direita, tudo na mesma.

isto está 'Lino', está...


Foto: http://www-ext.lnec.pt/

Mário Lino veio à comunicação social classificar como "infelizes" as palavras de Carlos Tavares sobre a possibilidade de o Estado não usar as suas golden shares na assembleia-geral da PT, adiantando que "o Governo não lhe pediu opinião [a Tavares], nem ele tem de a dar".

Esquece-se Mário Lino que Carlos Tavares é (só...) o Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e, como tal, tem toda a liberdade - e conhecimento - para revelar a sua posição sobre OPAs e negócios de valores mobiliários. É esta mais uma prova de que ainda existe muita gente (incluindo governantes) que não sabe o que é liberalismo económico, pois a CMVM não trabalha para o Estado, mas para o mercado.

No entanto, a novela da OPA Sonae-PT não fica por aqui. Também Belmiro de Azevedo dispara em todos os sentidos, tendo mesmo chegado a dizer que não conhece Joe Berardo e a chamar-lhe "maluco", por este ter dito que a nova oferta da Sonae demonstra que o grupo empresarial da Maia está desesperado por dinheiro.

Pior que tudo isto, só mesmo a fraquíssima exibição de ontem do Sporting, que só não perdeu com os estudantes porque o benedetto São Liédson ainda lá vai resolvendo.

Talvez falte um Liédson à PT e um Belmiro ao Sporting...

chega março


Foto: www.br.geocities.com/katiajunqueira

Entra março, com o sol, a primavera, as flores, o amor e os passarinhos...

ou

Entra março logo a desembolsar €32,10 para o passe CP/METRO C.Sodré-Algés.

águas de março

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol

É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira

É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira

É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão

É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É uma ponta, é um ponto, é um pingo pingando

É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

(Tom Jobim)